Jim Corbett e o tigre capeta de Champawat

23/10/2020

Quando assisti A sombra e a Escuridão pela primeira vez fiquei muito curioso sobre a história dos leões de Tsavo. Foi também a primeira vez que vi o termo man-eater. Predadores que passaram a incluir o ser humano na sua dieta, algumas vezes se especializando em se alimentar apenas de humanos. Na maioria das vezes, animais feridos por caçadores, lutas com outros indivíduos ou presas. Ferimentos debilitantes, que diminuem sua capacidade de abater suas presas naturais como perda parcial da visão, perda de dentes – especialmente os caninos – ferimentos debilitantes nas patas ou até animais mais velhos. Muitas vezes estes fatores associados a desequilíbrios ambientais e declínio na população de presas. 

Depois de uma busca rápida pela internet li sobre os casos mais conhecidos e li o The man-eaters of Tsavo and other East African Adventures de J. H. Patterson. Mais tarde tive oportunidade de ouvir em primeira mão de meu amigo Rogério Cunha de Paula todo o relato – técnico e pessoal – do ataque fatal de uma onça-pintada a um isqueiro* no município de Cáceres – MT em 2008. Rogério foi sozinho fazer a avaliação técnica no local do ataque poucos dias depois. Em 2011 tive a oportunidade de participar da captura de um macho de onça-pintada de 99 quilos na região do ataque junto com Rogério, a equipe do CENAP/ICMBio e ESEC Taiamã. Nessa expedição fui com Rogério revisitar o local do ataque, onde ele mais uma vez detalhou tudo que aconteceu. Mas a presença naquele local com Rogério explicando e contextualizando me trouxe um mal estar difícil de descrever. Até hoje me pergunto se, assim como Rogério, eu teria coragem de descer do barco sozinho – uma vez que nenhum dos guias quis acompanhá-lo – para inspecionar o local do ataque recém ocorrido.

Anos antes, minha então namorada, Miriam Perilli me presenteou com o livro Man Eaters of Kumaon de Jim Corbett. Um clássico! Jim Corbett, que mais tarde se tornou um conservacionista e fotógrafo, ficou famoso por caçar man eaters. Ele começa o livro explicando em que contexto esses animais se tornam predadores de seres humanos e estabelece como esses animais na verdade são vítimas e infelizmente acabam abatidos. O primeiro man eater que Corbett caçou foi o tigre de Champawat. Na verdade uma tigresa que, provavelmente ainda jovem, teve os caninos superiores e inferiores esquerdos arrancados por um tiro. Com 436 ataques fatais a seres humanos, ela está no Guinness Book of World Records. Depois de matar 200 pessoas na região de Rupal no Nepal, um regimento do exército nepalês, associado a centenas de moradores locais e com a ajuda de elefantes treinados, organizaram uma caçada para abater o animal. Ela conseguiu escapar e atravessou o rio Sarda, fronteira com a Índia, onde estabeleceu seu território na região de Kumaon. Lá ela se especializou em caçar seres humanos nas vilas e levar suas vítimas para ravinas de difícil acesso. Man eaters não eram novidade na Índia, porém essa tigresa conseguia escapar de toda e qualquer tentativa de pará-la. Chegava a percorrer mais de 30 km em um só dia para atacar uma vila, desaparecer e ressurgir em outra. Moradores das vilas aterrorizados se trancavam em casa e não saiam, famílias inteiras sem comida e sem sair para fazer suas necessidades em latrinas que ficavam fora das casas. Foi nesse cenário que em 1907 Jim Corbett, que trabalhava em uma ferrovia, atendeu ao pedido de um amigo que fosse a região de Champawat tentar resolver o problema.

Hoje acabei o fantástico livro No Beast So Fierce: The Terrifying True Story of the Champawat Tiger, the Deadliest Animal in History de Dane Huckelbridge. Intercalando relatos históricos e informações de jornais britânicos e hindus da época, dados de história natural e ecologia de tigres, os próprios relatos de Jim Corbett e uma pitada de interpretação poética o livro é uma obra de arte. Uma abordagem séria do ponto de vista ecológico e, ao mesmo tempo, uma saga épica em todos os aspectos. Até onde sei não há tradução para o português. Mas se você consegue entender minimamente inglês não vai se decepcionar com esta obra.

[pH]

*isqueiros são pescadores que ficam semanas acampados pescando peixes e outros animais para vender para turistas que por sua vez usam como iscas para pescar peixes maiores.

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