O encontro de Goethe e The Doors

14/01/2020

Maria de Lourdes era chamada carinhosamente de “Dona Filinha” por todos que a conheciam em Carangola, Minas Gerais. Eu a chamava de vó. Vó Filinha era cheia dos ditados e das sabedorias mineiras dos rincões da saudosa Zona da Mata, nos sertões do leste. Entre as não poucas citações de vó Filinha, duas me trazem um sorriso no rosto quando lembro. A primeira era a de que os morcegos não eram “bichos” enquanto classe, mas sim ratos!

Rato – dizia minha vó – depois que fica véio nasce asa e vira morcego.

O que me abre um sorriso é que mal sabia ela que com 8 anos de idade ia acabar levando morcegos e ratos para casa na esperança de ver a dita metamorfose. Mas essas são outras estórias…

A segunda pérola de Vó Filinha é que quem estuda demais fica maluco e não consegue conversar com ninguém. Ao invés de se orgulhar da nerdice do neto que passava as tardes lendo enciclopédias, me tocava para brincar na rua “pra virar gente”… Outros tempos…

Diferente da estória do morcego, penso que Dona Filinha tinha uma lógica razoável aí. Esses dias me lembrei dela contando como sua sobrinha tinha ficado maluca de tanto estudar. Aparentemente ninguém entendia o que a dita sobrinha falava e logo, na lógica objetiva de Dona Filinha, ela era maluca. Tento imaginar o que ela diria de seu neto se eu tentasse explicar para ela a relação de Goethe com a banda The Doors, que vislumbrei:

Johann Wolfgang Goethe (1749-1832) é conhecido por suas contribuições à literatura mundial como sua versão teatral da tragédia de Fausto e “Os Sofrimentos do Jovem Werther”.

Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) é conhecido por suas contribuições à literatura mundial com sua versão teatral da tragédia de Fausto e Os Sofrimentos do Jovem Werther. Este último – com todo respeito – lançou no século 18 um dos primeiros hits de modinha teen que se tem notícia. Os jovens rapazes da época começaram a imitar as roupas e trejeitos do personagem, lançando a Werther Fever. Em paralelo, houve uma notória onda de suicídios entre jovens de coração partido, seguindo os mesmos passos de Werther. Considerado um dos grandes pensadores da cultura ocidental, sua obra literária ofuscou seu trabalho como naturalista. E… Naturalists Rules!!!

Ele inspirou o iluminado mestre Charles Robert Darwin com seus estudos de morfologia. Em sua teoria, o crânio dos vertebrados teria se originado a partir das vértebras de um ancestral primitivo. Tal hipótese ajudou a abrir as portas para a ideia de que as espécies mudam ao longo do tempo, ideia contrária ao que se acreditava então. Von Goethe teria chegado a esse raciocínio após observar um crânio desarticulado de um carneiro enquanto andava no campo e percebeu como as estruturas que compõe a coluna vertebral são análogas à estrutura do crânio. Brilhante!

No entanto, Goethe, genial e popular como era, estava ocupado com inúmeras outras coisas e não publicou sua ideia. Lorenz Oken, outro naturalista alemão também reparou nas analogias vértebras x crânio e… publicou! Esta teoria foi amplamente discutida e gerou grande crescimento no pensamento científico da época. Mais tarde, Thomas Henry Huxley fez uma apresentação pública mostrando exemplares de crânios de diferentes animais. Analisando as estruturas de cada um mostrou que, na verdade, segundo ele, o crânio é que teria dado origem as vértebras! Este mesmo Huxley ficou conhecido na história da ciência como Darwin’s Bulldog, que, ao ler A Origem das Espécies, maravilhado, declarou:

— Que incrivelmente simples! Eu devia ter pensado nisso!

Charles Darwin

Darwin, após a publicação de A Origem das Espécies, ficou no seu canto e deixou o pau quebrar entre cientistas e igreja.

A despeito de não concordar com alguns dos aspectos do raciocínio de Darwin, Huxley se tornou o mais acirrado defensor da teoria da evolução na época. Darwin, por sua vez, após a publicação do livro ficou quietinho no seu canto e deixou o pau quebrar entre cientistas x igreja. Huxley também foi o criador do termo “agnóstico”, para descrever sua própria posição sobre as religiões. Nesse ponto alguns podem se perguntar:

— Huxley? Onde já ouvi esse nome?

Sim! Thomas Henry Huxley é nada mais nada menos que avô de outro grande gênio pensador da literatura contemporânea: Aldous Leonard Huxley ou simplesmente Aldous Huxley. Autor do clássico Admirável Mundo Novo, entre outros. O mesmo Aldous Huxley que se mudou da Inglaterra para a Califórnia em 1937 e influenciou gerações.

doorsofperception

Em 1954 Aldous publicou The Doors of Perception — As portas da percepção — refletindo sobre suas experiências sobre o efeito de mescal, um poderoso alucinógeno. Este livro foi um dos muitos que inspiraram a contracultura que teve seu auge na geração hippie da década de 60. Nessa onda, dois estudantes de cinema da Universidade da Califórnia — James/Jim Morrison e Ray Manzarek — se encontraram por acaso em 1965 e resolveram montar uma banda. Com a adição de John Densmore e Robby Krieger, o grupo — que nem gostava de mescal — resolveu se chamar THE DOORS por conta do livro.

 

E foi assim… que Goethe encontrou The Doors!
Tá dááá!!! Em suma: Vó Filinha tinha razão!

“If the doors of perception were cleansed, every thing would appear to man as it is: infinite
Willian Blake

[pH]

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